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Em Uma proposta para o reencantamento (2022), Marcela Cantuária dá continuidade a conjuração de um reordenamento social e místico, que apoiado em discursos políticos anti-sistêmicos desdobram a matéria pictórica como uma estratégia de rememoração e compartilhamento de um mundo distinto do atual. Reencantar o mundo é orientar o desejo para uma confecção do agora de modo que a burocracia tecnocrática não seja mais a ceifadora de sonhos em prol do caos e da destruição. Nesse sentido, podemos encontrar aproximações entre memória e cultura, a partir dos signos e das relações estabelecidas entre trânsitos históricos que conectam a história política e econômica junto ao legado de luta das mulheres do Sul Global. Sua obra estabelece pontos de contato entre imaginários e temporalidades, entendidos como plataformas de disputas simbólicas resultantes do acirramento da luta entre as classes sociais.

Como uma sibila de nosso tempo, sua pintura abre frestas que direcionam a visão ao mundo incorpóreo, onde cada uma das composições podem ser encaradas como propostas de reencantamento do presente, em um momento em que o real não dá mais conta da potência criativa que emana dos sonhos e desejos coletivos sufocados em meio à precarização. Buscando antever o futuro a partir das imagens que ecoam no instante, o antropólogo Arturo Escobar, desenvolve o conceito de epistemologia fronteiriça, entendendo o “deslocamento e ponto de partida como crítica e afirmação de uma ordem alternativa do real” ¹ . Nesse sentido, encontramos pinturas, oratórios, biombos e instalações que se ancoram em elaborações imagéticas das ideias de nação e poder partindo de uma metodologia compositiva fronteiriça, uma ordem alternativa formulada em imagens de outras possibilidades de reordenamento social e místico. Assim, as propostas de reencantamento são constituídas por cada uma das obras que aqui revelam-se, especialmente úteis para pensar pontos centrais relativos às práticas artísticas contemporâneas. Rompendo os limites do que existe, germina assim novas formas de ser, agir e estar no mundo.

 

Aldones Nino ²

¹ ESCOBAR, A. Mundos y conocimientos de otro modo. Revista de Humanidades. Colômbia: UCMC, n°4, p. 50-86, jan - dez, 2003, p.66.

² Curador de Collegium (Arévalo, Espanha) e Assessor de Pesquisa e Projetos Curatoriais do Instituto Inclusartiz (Rio de Janeiro, Brasil).

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